2.11.05

Três físicos filosofando

Lendo os numerosos comentários ao polêmico post do blog do Peter Woit intitulado “Why is string theory science, but intelligent design isn’t?”, esbarrei no link para um recente pré-print chamado "On Math, Matter and Mind". Três físicos, Piet Hut (IAS Princeton), Mark Alford (Washington Univ.) e Max Tegmark (MIT Kavli Inst.), apresentam suas posições a respeito do triângulo de Penrose (ao lado). Este consiste num esquema de ligações que resume a visão bastante difundida de que a matemática é a linguagem através da qual se pode explicar a (dinâmica da) matéria (relação 1); esta dinâmica esclarece completamente os mecanismos de funcionamento da mente (relação 2); e esta, por sua vez, produz a matemática (relação 3). A motivação principal dos autores é esclarecer o público de que não existe consenso entre os físicos sobre a questão, como frequentemente é sugerido por ilustres divulgadores científicos.

Para mostrar isso eles apresentam suas próprias posições divergentes sobre o tema. Três físicos, três pontos de vista diferentes. Eles se auto-dividem em fundamentalista (Max Tegmark), secular (Mark Alford) e místico (Piet Hut).

O fundamentalista, também chamado de platonista radical, defende que o triângulo está correto a menos da relação 3, pois acredita que os objetos matemáticos possuem existência própria, independente da mente humana. Resume sua posição como: a matemática explica a matéria e a matéria explica a mente, fim da história.
O secular é o antípoda do fundamentalista: para ele apenas a relação 3 se salva no triângulo de Penrose. Sendo cético com respeito à independência da matemática em relação à mente humana (suscetível a contextos históricos), o secular não acredita necessariamente que a matéria poderá ser sempre expressa em termos matemáticos. Surpreendentmente ele também não aceita a relação 2 (matéria->mente), mas não explica muito bem sua posição.
O terceiro ponto de vista, de Piet Hut, é o mais vago de todos. Assim como o fundamentalista, tem uma forte crença no alcance da ciência em questões ontológicas. No entanto, apenas uma ainda-não-existente fonte única, transcendente, explicaria completamente (holisticamente? ;-) ) este triângulo.

Seguem-se as críticas de uns aos outros, com certeza a parte mais interessante do artigo. Em particular sugiro a seção VI, onde se debate o ponto de vista fundamentalista, muito comum entre praticantes de teorias unificadoras. O secular tenta abalar sua base, insistindo na idéia de que não se pode, por nenhum argumento sensato, afirmar que a física e a matemática atual tem um status privilegiado com relação ao passado. Ou seja: se em séculos anteriores elas mudaram tanto, não se pode garantir que não se alterarão completamente, até serem mal reconhecidas no futuro como tais. Se isto é verdade, fica difícil aceitar o ponto de vista fundamentalista de que estamos próximos à uma explicação final em termos de matemática.

Apesar de toda essa nomenclatura religiosa, em nenhum momento eles mencionaram a palavra Deus. Porém, o papel da matemática para o fundamentalista, e da fonte-desconhecida para o místico, se aproximam muito desse conceito.

Tentei resumir o paper, mas o problema é complexo demais para um post de blog. Recomendo fortemente sua completa leitura. Particularmente, simpatizo mais com o secular, o mais resignado de todos. Aliás, o fundamentalista ironiza esta posição chamando-a de "shut-up-and-calculate' (cale a boca e trabalhe). Apenas não concordo com suas restrições à relação matéria-mente. Em todo caso, pelas minhas contas existem 8 possíveis opiniões com relação ao triângulo. Escolha a sua! :-)

Achei muito interessante esta iniciativa. Tenho notícias de outros exemplos de gente se reunindo para discutir algum assunto polêmico (veja o exemplo do livro "Felicidade", do Eduardo Giannetti; apesar do nome, não é auto-ajuda). Marcam um dia para se reunir na casa de algum membro, definem alguém para coordenar a sessão, e combinam previamente determinados textos a serem discutidos. Tudo organizado, pois do contrário vira uma zona e não há progresso. E o álcool precisa ser proibido. Isso, precisa.