5.1.06

"Quando a gente gosta da Física, as coisas ficam mais claras!"


A física brasileira perdeu na última sexta-feira um de seus maiores empreendedores. Na noite do dia 30 de dezembro faleceu o Professor Paulo Leal Ferreira, fundador do Instituto de Física Teórica.
Desde segunda-feira tenho enrolado para escrever este post, pois sempre fico deprimido quando penso nessa perda. Para a maioria dos atuais estudantes do IFT o Prof. Paulo é apenas uma figura de exemplo pela sua iniciativa e coragem de fundar uma instituição de pesquisa, independente de qualquer iniciativa pública. Porém, para aqueles que tiveram o privilégio de conviver com ele pelos corredores do Instituto, ele era acima de tudo um daqueles apaixonados que se divertia com equações e longas discussões sobre os vários ramos da física. Lembro-me de um dia estar sentado em frente à mesa do café, próximo ao auditório menor (que leva o nome do irmão do Paulo, Prof. Jorge Leal Ferreira) extremamente compenetrado, tentando provar de maneira explícita a invariância dos parênteses de Poisson sob transformações canônicas (tarefa que meu orientador de Iniciação Científica tinha proposto). Eu devia estar com uma cara bem feia, e lembro que resmungava e xingava as equações nas folhas soltas sob o meu colo. Foi quando o Prof. Paulo passou (para olhar a estante de preprints, acho), virou p/ mim e disse: "O seu problema é que você não está se divertindo."
Eu disse: "O quê?"
"Você não está se divertindo, não gosta do que está fazendo, por isso não consegue enxergar a resposta." - ele repetiu. "O que é que você está fazendo?"
Eu expliquei, ao que ele me retorna: "Ah, mas isso é muito bonito!" E então começou a discorrer sobre as diversas aplicações e implicações da invariância que eu tentava provar, me fascinando com a sua paixão. Terminamos a nossa conversa, pois a minha reunião com o meu orientador já ia começar. Eu comecei a exposição daquele dia falando sobre transformações canônicas, e depois passei a enunciar e provar as propriedades dos parênteses de Poisson. Ao final o Bruto (meu orientador, Prof. Bruto Max Pimentel) me perguntou: "E a invariância, você provou?" Aí então eu lembrei da última frase do Paulo, antes de eu entrar no auditório: "Você tem que gostar da Física. Quando a gente gosta da física as coisas ficam mais ... claras!"
Respondi então ao meu orientador: "Não, não provei, mas agora eu sei provar!" - e acabei alongando a reunião por mais uma hora só para provar a invariância de três modos diferentes, tamanho o gosto que tinha pego por aquilo.
O Prof. Paulo é homenageado pelos estudantes do IFT com a realização anual de um Congresso que leva o seu nome, e que na sua 28º edição em 2005 comemorou os 80 anos do Prof. Paulo. No ano 2000 a comissão organizadora do Congresso Paulo Leal Ferreira produziu um vídeo que conta um pouco da história do Congresso e do IFT através de uma entrevista feita com o Prof. Paulo. Esse vídeo pode ser baixado clicando-se no título deste post ou também aqui. Recentemente alguns professores do Instituto também preparavam uma documentação para indicar o nome do Prof. Paulo ao Prêmio Fundação Conrad Wessel de 2006, mas a sua trajetória foi muito bem ilustrada por um artigo no Jornal da Ciência.
Uma missa em sua memória será celebrada nesse domingo 08 de janeiro, às 10:00, no Mosteiro São Bento.